segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Delicadeza


A delicadeza é de uma inutilidade ímpar.
A inutilidade deve ser, aliás, o princípio de qualquer delicadeza.

Delicadeza com objetivo é interesse.
Delicadeza que tem qualquer serventia é favor.

Delicadeza se confunde com outras boas intenções, mas não se engane:
Doar 100 milhões para uma escola pobre depois de uma enchente é caridade
Ceder lugar no ônibus para um velho é educação
Abrir a porta do carro para uma conquista é exibicionismo

A delicadeza não é disso, ela é discreta.
Pequena e tímida -
Um arco-íris que só aparece quando ninguém está olhando.

A delicadeza não sobrevive de aplauso.
A delicadeza não sobrevive ao aplauso.

É uma virgula bem colocada, que não muda em nada o texto: só faz a história ficar mais macia pra quem ouve.

A delicadeza é tão desnecessária que quando o receptor do seu gesto disser :“ah, não precisava”, isso deve ser verdade. 
Não precisava de fato, mas foi feito mesmo assim.

A delicadeza está em tudo que é poético e barroco:
uma carta escrita a mão
as bodas de Ouro
o silêncio.

E  pode estar também em tudo que é absolutamente ordinário e urbano:
um sinal de trânsito,
uma fila de supermercado,
o elevador do prédio

A delicadeza sobrevive em qualquer habitat por isso é curioso que ela seja tão rara.

Existem manuais de como sobreviver na selva,
como proceder em caso de incêndio,
como agir em caso de despressiurização da cabine.

Mas não há literatura que ensine o sujeito a ser delicado.










quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sorria, você está sendo filmado.


Roteiristas que escrevem para TV não assistem  TV 
( somos tão inteligentes e pedantes!)

Diretores de cinema brasileiro não gostam do cinema brasileiro
(viva aquele cineasta iraniano obscuro e estreante!)

Escritores jovens não lêem escritores jovens.
(os dramas das gerações passadas ficam sempre mais interessantes.)

Atores de novela queriam mesmo era estar no teatro: Ulysses, Shakespeare, Otello, Medeia!
Atores de teatro sonham com um papel na novela  - pelo menos assim ia ter alguem na plateia.

Atrizes jovens engordam para  ficarem feias e finalmente serem reconhecidas como grandes atrizes
Grandes Atrizes retalham a pele mole e posam nuas e contorcidas para finalmente serem reconhecidas como jovens.

Ficou combinado: nos programas de ficção o improviso é bem-vindo;
nos reality-shows tudo é ensaiado.

A tela está cada vez mais 3D, HD, cada vez mais realista.
(O mesmo já não se pode dizer dos peitos inéditos da modelo-atriz-apresentadora- protagonista).

O mundo do entretenimento se leva a sério mas é uma piada de humor negro e rimas pobres.
(Ninguém ri que é pra não aparecer com ruga no horário nobre.)









segunda-feira, 6 de agosto de 2012

vingança


A vingança é um prato que se come frio;

congelado.

Uma massa sem graça, sem molho, com gosto de ontem.

Cheia de conservantes químicos cancerígenos pra esconder que já está podre e nasceu morta.

A vingança contém glútem.

Não vale por um bifinho, não nutre.

Mata e engorda.

A vingança derrete no calor fingido das suas microondas magoadas e até engana que é saborosa.

Mas ela é borrachuda e não desmancha na boca;

não dissolve nem na saliva mais ácida.

A vingança é um prato que se come frio:

congelado.

A vingança é uma lasanha da Sadia.

Esquecer sim que é fitoterápico.